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Sa limba sarda*

 

GIOVANNA TONZANU

ESCUELA OFICIAL DE IDIOMAS DE QUART DE POBLET

© 2008 Midesa s.r.l.

 

 

Escopo do presente artigo é dar uma visão de conjunto do sardo, língua considerada em perigo de extinção pela UNESCO e atualmente no centro de acesos debates internos voltados para a sua normalização e unificação. Processos, ambos, ainda em vias de desenvolvimento e difíceis de exemplificar. Tal situação torna, portanto, difícil uma tentativa, como a que se propõe o presente texto, de representar sobretudo a morfologia e a fonética como forma única. Espera-se, todavia, conseguir de certo modo dar uma visão geral, ainda que suscetível de mudanças derivadas dos possíveis desenvolvimentos do processo de padronização.

 

Noções históricas

 

O sardo, ou sa limba, é uma língua românica falada na Sardenha, a segunda maior ilha do Mediterrâneo depois da Sicília. Não obstante, por características físicas a Sardenha pode ser considerada a única verdadeira ilha do Mediterrâneo ocidental, sobretudo pelas distâncias que a separam do continente, dado que a costa mais próxima é a norte-africana. Tais elementos explicam, em parte, a diversidade histórica da ilha.

 

O território da Sardenha compõe-se predominantemente de serras e morros com algumas áreas de planície, cuja mais extensa é o Campidano. Os rios têm caráter torrencial e muitos são barrados para formar açudes para a irrigação. As ilhas mais importantes são: Maddalena, Asinara, San Pietro e Sant’Antioco.

Os primeiros testemunhos seguros de assentamentos humanos remontam ao neolítico, período em que se difundiu a civilização nurágica, cujos restos são os característicos “Nuraghes” (Nuraghi), enormes construções de origem misteriosa, provavelmente destinadas à defesa e ao culto. No século VII a.C. iniciou-se a colonização fenícia no sul da ilha e no século III a.C. a ilha passou ao domínio romano. A penetração do latim foi lenta e difícil, sobretudo nas áreas internas, mas, precisamente por causa do isolamento geográfico da Sardenha, tal influência foi forte e duradoura. Com a desfeita do Império Romano, a ilha passou primeiro ao domínio dos vândalos e depois ao Império Bizantino, cuja fraqueza impediu que o grego fosse efetivamente utilizado como língua oficial. No fim desse período os sardos começaram a utilizar a própria língua também na redação dos documentos oficiais.

No século XI foi dividida em quatro “Juizados” (Giudicati): Cagliari, Arborea, Torres e Gallura, correspondentes grosso modo às quatro províncias históricas. O juizado mais longevo foi o de Arborea, cuja última representante foi Eleonora de Arborea. Foi precisamente essa juíza que promulgou a Carta de Logu (1392): um código civil e penal de grande modernidade que permaneceu em vigor até 1827.

Nos séculos XI e XII a maior influência sobre a ilha, sobretudo sobre as maiores cidades, foi a exercida pelas potências de Pisa e Gênova. Precisamente nesse período iniciou-se a diferenciação linguística que deu origem às duas variedades principais: o logudorês ao norte e o campidanês ao sul. As relações com as repúblicas marinheiras italianas influíram profundamente na língua falada na Sardenha e o influxo do italiano sobre o sardo continuou mesmo no período de domínio catalão, primeiro, e espanhol, depois. De fato, em 1297 o papa Bonifácio VIII enfeudou a Sardenha a Jaime II de Aragão, embora a conquista da ilha tenha acontecido apenas em 1478 com a derrota sarda na Batalha de Macomer. De todo modo, já desde 1323 a língua oficial da ilha foi o catalão, cujo uso não cessou nem mesmo após a unificação da Coroa de Aragão com a de Castela. O espanhol apareceu em 1602, mas como língua oficial substituiu o catalão apenas em 1643, e conservou-se nos atos oficiais até a segunda metade do século XVIII, embora muitos párocos tenham continuado a usá-lo até 1780 para redigir as certidões de batismo.

Após outras vicissitudes, em 1714 a Sardenha passou, com o Tratado de Utrecht, à Áustria, que em 1718 a consignou aos Saboia em troca da Sicília. Desde esse momento constituiu, com o Piemonte, o Reino da Sardenha, que supôs uma nova mudança de língua oficial, desta vez o italiano. Em 1860 o Reino da Sardenha integrou-se ao Reino da Itália, que se constituía naquele momento.

Desde 1948 a Sardenha é uma das cinco regiões italianas com estatuto autônomo, atualmente dividida em oito províncias: Cagliari (capital da região), Sassari, Nuoro, Oristano, Olbia-Tempio, Ogliastra, Medio-Campidano e Carbonia-Iglesias (as últimas quatro de bem recente constituição). Tem uma população de cerca de 1,6 milhão de habitantes e é, portanto, a comunidade numericamente mais consistente entre as minorias etnolinguísticas presentes na Itália. De fato, aos habitantes da ilha é preciso acrescentar ao menos outro milhão de sardos residentes fora, mas que amiúde conservam fortes laços também graças à língua.

 

Aspectos linguísticos

 

A Sardenha, além do italiano, que é a língua oficial, apresenta uma notável variedade de falares distribuídos nas várias áreas da ilha.

 

·        Na área setentrional, em La Maddalena, na Gallura, na zona de Sassari e na zona costeira da Anglona, falam-se o sassarês e o gallurês, caracterizados por influxos italianos e toscanos que remontam já ao predomínio pisano e genovês nos séculos XII-XIV e a uma maciça imigração da Córsega.

·        Na cidade de Alghero resiste o catalão, último vestígio da dominação catalano-aragonesa na Sardenha da qual a cidadezinha era o alicerce.

·        Em Carloforte e Calasetta fala-se o tabarquino, dialeto de origem lígure, derivado de uma colônia de Pegli procedente da ilha de Tabarca.

·        No resto da ilha fala-se a língua sarda com as duas principais variedades: o logudorês (tradicionalmente mais conservador em relação ao latim) na área setentrional e o campidanês (mais abertos aos influxos externos, sobretudo no nível fonético) no sul da ilha.

 

Depois, o logudorês subdivide-se em três principais subvariedades:

 

1.       logudorês setentrional, que se estende fora dos limites da Gallura;

2.       logudorês comum na zona centro-ocidental;

3.       logudorês nuorês ou barbaricino (na área centro-oriental), que muitos consideram autônomo pelo seu acentuado arcaísmo.

 

Se ao norte são nítidos os confins entre o galurês, o sassarês e o logudorês, ao sul as diferenças entre o logudorês comum e o campidanês confundem-se em várias áreas intermediárias de difícil classificação.

Não obstante, embora esteja hoje em dia subdivido em centenas de subdialetos —“com infinidade de detalhes fonéticos, morfológicos e lexicais que diferem amiúde de uma aldeia a outra” (Wagner, 1997: 47)— originalmente o sardo foi uma língua bastante homogênea, como provam documentos antigos.

As pesquisas levadas a cabo até hoje testemunhariam, de fato, uma fundamental unidade sintática e morfológica, o que facilitaria não pouco o caminho para um padrão. De fato, embora o logudorês tenha gozado por muito tempo de certo prestígio, não se conseguiu difundi-lo como variedade ilustre e criar assim uma koiné. A hipótese de um padrão está, pois, em fase de definição entre tendências muito diversas entre si: para alguns estudiosos cabe buscá-lo no logudorês, enquanto que para outros deveria basear-se sobre o campidanês falado na área mais povoada da ilha e, portanto, por um maior número de pessoas, mas não faltam soluções intermediárias. A propósito, alguns estudos objetam que se é verdade que o Campidano é a área mais povoada, o número de falantes do logudorês é provavelmente mais alto, dado que a sardofonia está muito mais difundida nas áreas centrais.

Na realidade, as diversidades fonológicas constituem, sem dúvida, a maior diferença entre os dialetos sardos. Por essa razão, numerosos estudiosos julgam prematura a proposta de uma pronúncia padrão do sardo, o que não significa, porém, que não se possa chegar a uma norma comum para o sardo escrito.

A questão da padronização da língua sarda é um tanto espinhosa e viu nos últimos tempos o nascimento de vários projetos que suscitaram um vivo debate de tons amiúde um tanto acesos.

A questão linguística associou-se inicialmente também a um movimento regionalista e nacionalista que se desenvolveu sobretudo após a Primeira Guerra Mundial (“Partido Sardo de Ação”/ Partito Sardo d’Azione), que retomava os conceitos do sardismo oitocentista defensor da autonomia sarda derivada dos juizados e do Regnum Sardiniae (em parte depois reconhecida pelo estatuto de autonomia regional de 1948). Desde os anos setenta foi pouco a pouco aumentando também a reivindicação cultural, paralelamente à linguística.

O percurso do reconhecimento da língua sarda pode-se dizer que se iniciou já em 1948 com o artigo 6 da Constituição italiana, segundo a qual “a República protege com normas específicas as minorias linguísticas” (La Repubblica tutela con apposite norme le minoranze linguistiche). Tal norma teve, porém, de esperar até 15 de dezembro de 1999 para encontrar uma atuação legislativa na Lei n.º 482, “Normas em matéria de proteção das minorias linguísticas históricas” (Norme in materia di tutela delle minoranze linguistiche storiche), com base na qual, após cinquenta anos, se estabeleceu que o italiano é a língua oficial da República e o sardo é reconhecido como uma das línguas minoritárias do Estado italiano.

Mas já precedentemente havia a “Carta europeia das línguas regionais ou minoritárias” (Carta Europea delle lingue regionali o minoritarie), e em 1997 a Região da Sardenha promulgou a Lei n.º 26 para “Promoção e valorização da cultura e da língua da Sardenha” (Promozione e valorizzazione della cultura e della lingua della Sardegna), graças à qual o sardo pode ser utilizado em condições de oficialidade com o italiano.

Entre as iniciativas dessa lei havia a proposta de uma comissão encarregada de apresentar uma proposta de ortografia unificada para ser usada nos documentos oficiais regionais. A comissão, após algum tempo, apresentou uma proposta que compreendia além da ortografia também normas para uma língua unificada: a Limba Sarda Unificada (LSU). Esta, partindo do pressuposto que as variedades são reduzíveis a matrizes comuns embora alteradas por resultados fonéticos e morfológicos às vezes distantes, manifestava a necessidade de uma língua que reunisse a totalidade dos sardos e fosse contemporaneamente de fácil aprendizagem e ensino, leitura, audição e inteligibilidade recíproca, além de fornecer um modelo de pronúncia de referência. A LSU propunha-se, pois, como uma língua “natural”, mas elaborada através de “correções”; uma língua “supralocal” e, portanto, complementar em relação aos falares locais aos quais haveria de servir de “teto”.

Até a sua aparição, a LSU suscitou muitíssimas polêmicas por ser considerada, por alguns, próxima demais da variedade logudoresa e “artificial”, enquanto tentativa de construir sobre o papel uma variante supralocal. A isto deve-se acrescentar a polêmica sobre o latim, que passou de elemento de prestígio a elemento de desencontro. A LSU, de fato, propunha-se “tomar como base de referência para cada fenômeno o latim” (Regione Autonoma della Sardegna, 2001: 7), e já nas premissas falava-se de seleção “daquelas variedades mais próximas das origens histórico-evolutivas da língua sarda”. Tal ponto de vista provocou a rejeição dos falantes do campidanês, variedade que evoluiu mais, os quais sustentam que a proximidade do latim não pode ser tomada como elemento de preferência. Por todos esses motivos a LSU não colheu os consensos necessários para uma aplicação.

Uma solução oposta à LSU era a Lingua de mesanía, apresentada por um comitê que, com o fim de superar a tensão que veio a criar-se, propusera como língua da administração regional uma das variantes da faixa média da Sardenha, onde, por um fenômeno natural e histórico, a língua desenvolveu um trançado paritário entre as duas macrovariantes logudoresa e campidanesa. Tal variante refere de certo modo à variedade arborense da Carta de Logu, compreendida e usada a nível jurídico e administrativo por todos os sardos. A tentativa é claramente evitar a toda custa as escolhas que privilegiem uma só das duas variantes, com o fim diminuir as históricas divisões e simplificar o caminho para um padrão comum.

Em maio de 2005 a Região, procurando superar os obstáculos da LSU, nomeou, então, outra comissão técnico-científica que, no mês de setembro do mesmo ano, fez uma nova proposta: a Sa limba sarda comune. Com esse projeto a Região empenhou-se novamente a encorajar, de todas as formas, os sardos a usar cada um a própria variante de sardo, mas abraçou a exigência da administração de ter uma só, muito provavelmente escolhida entre as variantes das áreas centrais da ilha (embora ainda não se tenha decidido qual). À diferença da LSU, será, pois, uma língua efetivamente falada e não artificial. Essa variedade linguística natural deverá constituir um ponto de mediação entre os falares mais difundidos e estará aberta a integrações provenientes de outras variantes, com o fim de assegurar a supramunicipalidade e a simplicidade do código. Desse modo, espera-se que haja uma variante oficial aberta para ser utilizada como língua oficial em alguns atos da administração regional e que seja compreensível em toda a região.

A mesma comissão iniciou também os trabalhos para uniformizar a ortografia das diversas variantes e preparou um questionário cognoscitivo que será distribuído a uma amostra de sardos para verificar como e quantos falam ainda sa limba e o que pensam do seu uso nos atos oficiais da junta regional.

Não existem, de fato, estudos e pesquisas recentes e exaustivos sobre o estado do sardo, nem sobre o seu atual estatuto sociolinguístico e simbólico. A última pesquisa sociolinguística que pudemos consultar remonta a 1988 (Sole, 1990) e dela resultava que só 10% dos pais sardos não falava nada em sardo, enquanto que o percentual dos filhos alcançava 35%, e 70% destes últimos declarava sentir-se mais à vontade com o italiano.

Esses dados demonstram a escolha consciente dos pais sardos de não falar a sua língua aos próprios filhos com a convicção de que eles, tendo como língua materna o italiano, poderão ter melhores oportunidade de inserção na sociedade.

O alto índice de abandono, o baixo rendimento escolar e as maiores dificuldade escolares das crianças sardófonas, constatadas pelos dados dos últimos anos (Pinna Catte, 1992), derivam do fato de que a coexistência do italiano e do sardo criou uma interferência recíproca que determina que o italiano regional falado na Sardenha esteja fortemente influenciado pelas estruturas gramaticais do sardo e, em geral, se apresente com “uma série de estruturas linguísticas intermediárias que vão do italiano regional aos dialetos italianizados” (Bolognesi, 2000: 1).

Tal problema obviamente não se resolve evitando o uso do sardo, relegando-o a língua de menor dignidade em relação ao italiano, mas, ao contrário, buscando separar as competências das duas línguas, processo ao qual se pode chegar apenas através do conhecimento do funcionamento dos dois códigos, e não certamente com a simples negação de um deles.

Como é típico de uma situação de bilinguismo com diglossia, o italiano e o sardo constituíram um continuum caracterizado pela união entre as duas línguas (amiúde dificilmente reconhecível por parte dos próprios falantes) e por frequentes passagens de um código a outro. O sardo é fundamentalmente usado, enfim, somente nos contextos muito informais e o italiano nos contextos formais e informais. Todavia, enquanto para alguns tal situação é de diglossia, para outros na realidade é de dilalia[1], sobretudo em muitos centros urbanos da ilha onde se pode constatar como o italiano já tem um papel preponderante e frequentemente único, e não só na língua formal.

A situação de marginalização do sardo foi posta em evidência pela análise das línguas minoritárias no relatório da União Europeia denominado Euromosaico. O sardo resulta em ser a segunda língua minoritária na Europa por número de falantes, mas a 43.ª das 50 tomadas em exame quanto ao uso familiar, na comunidade, nas instituições e na educação, na reprodução cultural e no prestígio. E se é verdade que uma causa disto pode ser externa, outra é constituída pela atitude inconscientemente diglóssica dos próprios falantes que relegaram pouco a pouco o sardo a âmbitos de uso sempre mais restritos até excluí-lo, como se dizia antes, até mesmo do âmbito familiar: “uma rejeição da língua devida à conotação negativa que tais línguas têm enquanto se veem relegadas, junto com os seus falantes, a um mundo considerado ‘tradicional’” (Nelde, Strubell, Williams, 1996: 24). Instaurou-se, portanto, um círculo vicioso que determina a regressão do sardo. De fato, com a sua atitude linguística, os próprios sardos, que se consideram modernos e/ou querem autopromover-se socialmente, limitam o seu uso a pessoas e contextos socialmente pouco competitivos (“tradicionais”), confirmando e reforçando, desse modo, o juízo negativo sobre os sardo-falantes.

Algumas enquetes realizadas nos últimos anos evidenciaram até mesmo como os jovens sardos identificam o sardo com uma língua grosseira (“tosca” na expressão dos jovens entrevistados). Infelizmente tal juízo é em parte verdade por causa do círculo vicioso do qual se falava antes: “Expulso das interações sociolinguísticas mais complexas e formais, que acontecem ainda entre adultos e nas quais se aprende o uso socialmente apropriado da língua, o sardo dos jovens tornou-se efetivamente uma língua grosseira: reduziu-se frequentemente a uma gíria desgramaticalizada” e “recheado de obscenidades e de construções pertencentes ao italiano” (Bolognesi, 2000: 8).

Leve-se, além disso, em consideração que, no que se refere às gerações jovens, o sardo, como se evidenciava há pouco, não se aprende e não se usa mais em família; parece que as únicas interações linguísticas acontecem com os avós (mas com os netos normalmente em um papel linguisticamente passivo) ou mesmo com os próprios coetâneos (que têm normalmente todos o italiano regional como primeira língua) como uma espécie de gíria da qual se autoexcluem as garotas: “A função do sardo parece ser a de reforçar linguisticamente a sua identidade de jovens (rejeição da língua oficial dos adultos: o italiano) e de machos (uso de uma linguagem transgressora, não compartilhada com as garotas)” (Bolognesi, 2000: 7)

Bolognesi, no mesmo artigo, lembra a profecia de Antonio Gramsci, quem, na Carta a Teresinha de 27 de março de 1927, falando do futuro linguístico do netinho escreve:

 

Enfim, o italiano que vós lhe ensinareis será uma língua pobre, manca, feita só daquelas frases e palavras da vossa conversação com ele, puramente infantil; ele não terá contato com o ambiente que o circunda e acabará por aprender duas gírias e nenhuma língua: uma gíria italiana para a conversação oficial convosco e uma gíria sarda, aprendida em pedaços e bocados para falar com as outras crianças e com as pessoas que encontra na rua ou na praça.

 

É evidente, portanto, a situação difícil em que se acha o sardo neste momento, quer no uso informal quer no formal. De fato, se é verdade que nos últimos anos cresceu muito a utilização das variedades do sardo nos atos das administrações locais, tal uso não se generalizou ainda.

O mesmo diga-se do ensino do sardo praticado ainda em nível experimental em várias escolas, mas, mesmo nesse caso, sem nenhuma sistematicidade. Por outro lado, do ponto de vista da formação de um corpo docente, estão-se multiplicando as iniciativas quer sob o controle da Região quer através das universidades sardas, as quais realizaram cursos de alfabetização em língua sarda e recentemente vários mestrados em “Língua e cultura sardas, Plurilinguismo e multiculturalismo na Sardenha, Didática do sardo” (Lingua e cultura sarde, Plurilinguismo e multiculturalismo in Sardegna, Didattica del Sardo). Navegando na Internet acham-se também vários cursos de sardo elementar oferecidos por universidades estrangeiras que, às vezes, promovem também importantes iniciativas de pesquisa. É um exemplo a do Instituto de Filologia Românica da Universidade de Berlim, em colaboração com a de Colônia, que compreende um site dedicado à limba e curtura de sa Sardinna com um chat e uma antologia de textos sardos que se revelou um ótimo ponto de partida para um uso espontâneo da limba. Numerosíssimos são, enfim, os sites dedicados ao sardo com dicionários online, páginas de gramática e chat. A Internet propõe-se nesses casos como uma possibilidade para a proteção e a promoção dessa língua minoritária. Do ponto de vista dos outros meios de comunicação, por outro lado, o panorama é bastante desconfortável: existem apenas algumas TVs e rádios locais que emitem algum telejornal e uns poucos programas em sardo; os jornais e as revistas podem-se contar nas pontas dos dedos.

Evidentemente ainda se está bem longe de poder assegurar um futuro a essa língua. Não obstante, algumas das iniciativas aqui enumeradas levam a ter esperança, ao menos por atestarem a tomada de consciência de muitos sardos da necessidade absoluta de uma formação e regularização que permita também aos jovens e a quem vem de fora aprender o sardo.

 

Aspectos morfológicos, sintáticos e lexicais

 

Na Idade Média o sardo era considerado por alguns escritores como uma língua estranha, confusa e indecifrável. No século XII em um diálogo entre dois apaixonados do trovador provençal Raimbaut de Vaqueiras lê-se: “Non t’entend plui d’un Toesco / O Sardo o Barbarí”. No Dittamondo de Fazio degli Uberti: “Io viddi che mi parve meraviglia / Una gente che alcuno non l’intende, / Né essi sanno quel che altri bisbiglia...”. E Dante que no De vulgari eloquentia (livro I, cap. XI) diz: “Sardos etiam, qui non Latii sunt sed Latiis associandi esse videntur, eiciamus, quoniam soli sine proprio vulgari esse videntur, gramaticam tamquam simie homines imitantes: nam domus nova et dominus meus locuntur”.[2]

É certo que desde então felizmente as coisas melhoraram, mas a luta por um reconhecimento do status de língua ainda está em curso. De fato, um lugar-comum faz do sardo a língua neolatina mais conservadora. Tal afirmação é verdadeira somente pelo léxico de alguns dialetos do sardo, que, como veremos em breve, conservaram um grande número de palavras com formas quase idênticas ao latim. É preciso lembrar que metade do léxico sardo deriva de empréstimos antigos ao pisano, ao catalão e ao espanhol.

Do ponto de vista gramatical, por outro lado, o sardo, considerado no seu conjunto, afasta-se bastante do complexo sistema morfológico da língua latina e da sua sintaxe.

Mesmo não existindo estudos comparativos da morfologia entre as duas principais variedades, parece poder-se afirmar que a morfologia dos vários dialetos sardos é fundamentalmente unitária: a morfologia flexiva do nome e do adjetivo é praticamente idêntica, enquanto que a morfologia derivacional se reduziu e se simplificou notavelmente em relação à latina e das outras línguas românicas, com uma tendência muito forte às construções analíticas: apo a faeddare (“falarei”, futuro); apo faeddadu (“falei”, passado), torrare a fàghere (“refazer”, infinitivo).

A evolução dos vários dialetos sardos foi influenciada minimamente pelo contato com as várias línguas dominantes que se sucederam na ilha. As atuais diferenças entre as variedades do sardo são, na prática, o resultado de mecanismos internos das próprias variedades, enquanto que as diferenças principais são poucas e atribuíveis a regras de pronúncia sincrônicas (Bolognesi, 2002).

Existem, além disso, duas tradições ortográficas (de resto, conhecidas apenas por um restrito grupo de intelectuais e estudiosos), que correspondem grosso modo ao logudorês e ao campidanês. No sardo a cada fonema (e, por conseguinte, grafema) correspondem muitos alofones (e, por conseguinte, pronúncias possíveis).

O problema fundamental é que por muito tempo se quis escrever o sardo com a grafia do italiano, língua que em boa parte se fala como se escreve, o que não se pode fazer com o sardo, dado que para certos sons existentes em alguns dialetos sardos não existem nem mesmo convenções gráficas. Seria, portanto, necessário adotar um sistema de convenções gráficas suficientemente abstrato para contornar os problemas que derivam da abundância de fenômenos fonológicos que caracteriza a maior parte dos dialetos sardos (Bolognesi, 2002). O próprio Bolognesi afirma também que:

 

as diferenças entre esses dialetos são muito frequentemente o resultado de ‘regras de pronúncia’ diversas que se aplicam a palavras que no léxico (no nosso vocabulário mental) são representadas de modo igual. A maioria das diferenças fonológicas que existem entre os dialetos inovadores campidaneses e os conservadores de Nuoro e da Baronia seriam, pois, devidas a mecanismos sincrônicos, isto é, não ‘fossilizados’ no léxico (Bolognesi, 2002: 26).

 

No limite do possível provemos agora de dar uma olhada de conjunto à fonética.

 

·        O primeiro dado a ser ressaltado é a conservação inalterada das vogais tônicas latinas e o sistema de cinco vogais que ignora (à diferença do italiano de base toscana) a distinção entre e e o abertos e fechados. A abertura ou fechamento de tais vogais tônicas dependerá da vogal seguinte, pela qual são condicionadas (a, e, o provocam abertura; i, u fechamento) segundo o fenômeno da metafonia.

·        Outro fenômeno antigo é o do betacismo, com resultados como bedustus, birde e bostru (vetusto, verde e vosso em português).

 

No sardo assiste-se, enfim, a fenômenos fonéticos um tanto raros na área românica, que, segundo alguns estudiosos, seriam de origem pré-romana:

 

·        Em Nuoro o fenômeno conhecido como golpe de glote, ou seja, a aspiração do som velar de c: su ’asu (“o queijo”), fri’cu (“fresco”).

·        O som cacuminal do nexo dd: caddu (“cavalo”), pudda (“galinha”), nudda (“nada”), que às vezes é representado na grafia sarda com dh ou com um pontinho sob a consoante dupla.

 

Outros elementos característicos, especialmente na variedade logudoresa, são:

 

·        A tendência a evitar as consoantes finais (que, de todo modo, são pronunciadas com articulação nítida) com o acréscimo às vezes de uma vogal suplementar, como, por exemplo, sucede nos substantivos derivados dos temas nominais latinos em -men, que em sardo dão sempre -mene ou -mini, ou mesmo no fim de um verbo: sa mèrula càntada por cantat (“o melro canta”).

·        O fato mais característico do consonantismo sardo da área central é, talvez, a conservação das consoantes velares antes de e e i, pela qual se pronuncia /'kelu/ (“céu”), /'kera/ (“cera”), /'deke/ (“dez”), enquanto que em campidanês ocorreu a palatalização.

·        O fenômeno da lenição refere-se não só aos substantivos (ape “abelha” vira abe), mas também o grupo artigo + substantivo, pelo que se tem su putzu (“o poço”), que vira su butzu, ou sa gula (“a goela”), que vira sa ula. Tal fenômeno manifesta-se na área nuoresa.

·        Conservação dos grupos de consoantes com l (pl, bl, cl, gl, fl) com sucessiva passagem de l a r em grande parte da ilha em palavras latinas como plus > prus, flamma(m) > framma, clave(m) > crave. Tal passagem nas regiões setentrionais foi, porém, substituída pelo toscano, dando resultados como pius e fiamma.

·        Outra tendência muito antiga presente apenas na Romênia é a do grupo qua, que, qui: o latim aqua(m) > abba, lingua(m) > limba.

·        Uma inovação em relação ao latim, por outro lado, acha-se no nexo consonântico gn, que em sardo se torna nn: magnu(m) > mannu, ligna(m) > linna.

 

Muitas das características morfológicas estão ligadas às fonéticas.

 

·        A clara pronúncia das consoantes na variante logudoresa faz com que sobrevivam formas verbais como cantas, cantat, antigos neutros como tempus, plurais em -as e -os: fèminas (“mulheres”), plural de fèmina. Importantes também porque testemunham a aderência do sardo ao plural “românico ocidental”, à diferença do sistema vocálico italiano, que se atém ao “românico oriental”.

·        Característico é, pois, o artigo nas suas quatro formas: su (masculino singular), sa (feminino singular), sos (masculino plural), sas (feminino plural), que coincidem com as quatro formas portuguesas: o, a, os, as. Em campidanês acha-se a forma plural intermediária is por sos e sas.

·        Muito difundido em sardo está o uso do singular coletivo para indicar plantações, cultivos, legumes, cereais: sa fae (“as favas”).

·        Os substantivos da quarta declinação latina são representados quase que somente em sardo mediante formas terminadas em -u: figu, manu, lacu etc.

·        Os nomes dos dias da semana conservam a forma do genitivo latino: lunis, martis, mèrcuris, enquanto que chenàpura (“sexta-feira”), do latim cena pura, nome com o qual os judeus designavam o alimento preparado para a vigília da festa do sábado, testemunha o passado da ilha como terra de acolhimento para cristãos e judeus.

·        Vestígios de ablativo latino acham-se em sero, custu sero (“esta tarde”), erisero (“ontem à tarde”), ocanno (“neste ano”).

·        Estão conservados os pronomes pessoais latinos: (d)eo, tue, nois, bois, isse/issa, issos/issas (que derivam de ipse).

·        A forma latina ipsorum continua em issoro.

·        Ainda hoje o dativo é substituído em logudorês por bi < ibi: Pro ite no bi lu narasa? (“Por que não lho dizes?”).

·        As conjugações do verbo dividem-se nos infinitivos -are (-ai em campidanês), -ire com acentuação oxítona e a forma -ere proparoxítona: àere (“haver”), bìere (“beber”), a qual subtrai também verbos importantes à terceira conjugação: bènnere (“vir”), mòrrere (“morrer”).

·        Desinências do gerúndio são: -ande, -ende, -inde; -ando, -endo. Em campidanês -endu, -endi.

·        Já nos Estatutos Sassareses do século XIV acham-se os futuros perifrásticos do tipo aet mitter (“meterá”), com o verbo auxiliar no primeiro lugar, similar à disposição portuguesa: há de meter.

·        O imperfeito do subjuntivo sobrevive na Barbagia, mas em logudorês se reduz ao tipo -re-, enquanto que em campidanês se impõe o tipo -sse-, como em português.

·        O pretérito perfeito simples desapareceu tanto no logudorês como no campidanês, suplantado pelo pretérito perfeito composto (elemento que determina o seu uso também no italiano regional).

·        Particípios passados “fortes” herdados do latim são no campidanês lintu (lat. linctus) e bittu do latim vulgar bibitus em Nuoro.

·        Uma forma perifrástica comum é a do gerúndio presente com o verbo èssere: so benninde, à diferença do português estou vindo.

·        O imperativo negativo forma-se em sardo como em latim: no creas (“não creias”), à diferença da construção italiana non + infinitivo.

 

Também no que se refere à sintaxe pode-se afirmar que as variedades internas são mais conservadoras, apesar de estarem evoluindo também por influência do italiano.

 

·        O sardo antigo era substancialmente baseado sobre a parataxe e ignorava completamente a hipotaxe, usando apenas raras conjunções como ca. As primeiras conjunções são de origem italiana.

·        A frase interrogativa é introduzida em sardo por a: A benis? (“Vens?”), A bi sunt? (“Há?”).

·        Emmo (lat. immo) é partícula afirmativa, assim como ei/eja, embora hoje se use também o italiano. No/non, e às vezes a marcada noni, são partículas negativas.

·        O gerúndio é frequentemente usado em substituição do particípio: s’abba buddende (“a água fervente”), unu caddu currende (“um cavalo às carreiras”). Tal estrutura passa amiúde ao italiano regional falado na Sardenha.

·        Outro traço característico são as precoces formações sintáticas em que o objeto é precedido ou seguido de um pronome: Bidu l’asa a babbu tou? (“Viste o teu pai?”), Nadu ti l’appo (“Disse-to”), e semelhantemente nos tempos compostos prepõe o particípio passado ao auxiliar: Andadu bi sese? (“Foste?”). Essa estrutura também influencia o italiano regional.

·        Frequentemente após os verbos de vontade usa-se o infinitivo precedido de a no lugar da objetiva: No chèrgio a b’annare (“Não quero que vás”).

·        O adjetivo qualificativo e o possessivo seguem geralmente o nome: In domo mia (“Na minha casa”), Unu òmine betzu (“Um homem velho”).

 

No que se refere ao léxico, podemos citar as palavras de Devoto e Giacomelli, segundo os quais “o interesse que reveste o léxico não só no âmbito italiano, mas também no mais vasto da linguística românica, é dado em grande parte pela excepcionalidade da sua estratificação” (Devoto e Giacomelli, 2002: 163).

 

Existem exemplos de palavras gregas como annacare (“embalar (uma criança)”), usada na zona central e derivada de nake (“berço”); condaghe, do grego kontákion (recolhimento de atos públicos), cascare (grego kasko “bocejar”). Ao árabe pode remontar o topônimo Arbatax, que significa “décimo quarto”.

O léxico latino mais arcaico conserva-se apenas na ilha ou conserva aí significados muito antigos e transformações do abstrato para o concreto. Exemplos de tal arcaísmo são: domo (“casa”), àghina (“uva”), gianna (“porta”), ebba (“égua”), lìngere (“lamber”), chida (“semana”, do lat. accita). Concretizações de significado podem exemplificar-se nos resultados apeddare (lat. appellare), que em sardo significa “ladrar”; goddeu (lat. collegium), que se usa para um grupinho de pessoas ou casas; imbènnere (lat. invenire, “achar”), usado na área de Bitti. Exemplos de palavras latinas que continuaram apenas no sardo são: cogiuare (lat. coniugare) com o significado de “casar”, ou o resultado do latim pollice(m), que em dá pòddighe, que em sardo significa “dedo”.

Palavras que encontram um resultado semelhante apenas na Romênia são: edu (lat. haedus “cabrito”), logudorês ischire (lat. scire “saber”). “Foram individuadas não poucas concordâncias entre o sardo, o púnico, o líbio e o ibérico” (Porru, 1995: 26), mas as línguas usadas na Sardenha antes da romana são, ainda, desconhecidas, à exceção da púnica, que deixou palavras como zippiri (“alecrim”). E segundo o que afirma Massimo Pittau (1984), as tentativas de relacionar as etimologias de origem incerta ao etrusco —como a palavra muteclu (cisto) que derivaria do etrusco mutuka— ou ao nurágico precisam ainda serem verificadas cientificamente.

As inovações em relação ao latim, quando chegam, ligam o sardo à Espanha e à Itália meridional (por exemplo pelo fenômeno do betacismo), enquanto que os resultados conservadores aproximam essa língua à Gália ou à Romênia, mais que à Itália.

No que se refere às afinidades lexicais com a península Ibérica, podem-se sistematizar em três planos diversos:

 

1.      Substrato pré-latino, pelo qual palavras sardas se encontram em basco: aurri (“carpa”); giddostru (“urze”), presente no basco gillar; moguru (“morro”), que em basco dá mokor.

2.      Comum herança latina, que em alguns casos se conserva apenas nas duas áreas, por exemplo later, que em campidanês dá làdiri e em espanhol ladrillo, daí o português ladrilho; percontare, que dá em logudorês pregontare, em campidanês pregontai, em espanhol preguntar e em português perguntar.

3.      Verdadeira penetração de termos catalães e espanhóis derivados do período da dominação, referentes sobretudo à administração e ao direito (giugi, do catalão jutge, antigamente em sardo jùdiche; buginu, do catalão e do ministro da Casa de Saboia Bogino; derrama, do espanhol), às artes e ofícios (picapedreri “pedreiro” e sabateri “sapateiro”, do catalão picapedrer e sabater), ao âmbito da casa e da cozinha (bragiolu “berço”, do catalão bressol; manta/màntua, cassola, fàbrica, ghisau), mas também termos de cortesia (bostè “o senhor”, cognato de “você”), exclamações (In orabonas! “Parabéns!”), advérbios (matessi “mesmo” e aici/asie “aqui”) e frases feitas (Ja lu creo!).

 

Leve-se, porém, em consideração que apesar de marcadíssima e longuíssima, a presença catalano-espanhola não modificou a tradição da língua sarda.

 

Os pontos em comum com os dialetos italianos da área meridional foram estudados por Gerhard Rohlfs (1972) e põem em evidência importantes isoglossas como cras “ontem” sardo e crai/craje meridional, em comparação com o tipo de-mane (no resto da Itália e na França). Outro traço é sa die (feminino) “o dia”, comparado às formas meridionais di/dia/deje, em italiano il giorno.

Na Idade Média são fundamentais os influxos de Gênova sobre Sassari e de Pisa sobre a Gallura e o Campidano. O sassarês zea remonta ao genovês gea (“acelga”), enquanto que exemplos de toscanismos são bèciu/betzu (campidanês/logudorês) “velho”, que substituíram o precedente veclu.

 

Noções de literatura sarda

 

Dar um quadro da literatura em língua sarda é bastante difícil, sobretudo porque as vicissitudes políticas que caracterizaram a sua história e a perda do caráter unitário da língua sarda determinaram “as dificuldades de realização na Sardenha de uma língua ‘literária’” (Porru, 1995: 22).

O primeiro documento da literatura sarda pode-se remontar ao século XV, com um poema do arcebispo de Sassari Antonio Cano: Sa vitta e sa morte et passione de sanctu Gavinu, Prothu et Januariu. Argumento e título retomados quase um século depois por Girolamo Araolla, o qual escreveu também rimas em um sardo “híbrido” na tentativa de tornar a língua sarda menos concreta e mais erudita do que era naquele momento. No século XVII o sacerdote Matteo Madau escreveu duas obras com o fim de sensibilizar os sardos a enobrecer a sua língua, das quais uma, Le armonie de’ sardi (1787), com interessantes observações sobre a métrica sarda.

Na literatura em língua sarda desses séculos é gritante a falta quase absoluta de composições em prosa, enquanto proliferam as em verso, tanto que frequentemente se afirmou que “a Sardenha é terra de poesia”.

Entre os séculos XVIII e XIX houve um verdadeiro florescimento de poesia em logudorês, e no XX os poetas mais importantes foram Antioco Casula, conhecido como Montanaru, com uma poesia de formas e temas muito variados que às vezes varou os confins da ilha; Pietro Casu, que na composição de rimas produziu uma tradução em terça-rima da Divina comédia; Pietro Mura, que cantou nas suas líricas a situação das pessoas humildes, e Antonino Mura Ena, que com a suas poesias lembrava a mocidade em Lula. Mas o poeta de destaque desses anos é talvez Sebastiano Satta, que escreveu tanto em italiano como em sardo.

Ponto de encontro fundamental para a poesia foi a prestigiosa revista S’ischiglia, na qual podem encontrar-se composições poéticas de vários tipos. De grande ajuda para a sua difusão foram também os numerosos prêmios de poesia sarda, entre os quais o mais importante são o de Ozieri e “Il Romangia” de Sennori. Solidíssima é, além disso, a tradição de disputas de poesia extemporânea que continuam ainda hoje.

No último século a produção em prosa, embora de excelente nível, foi escrita, porém, em italiano. São exemplos o prêmio Nobel Grazia Deledda, Giuseppe Dessì, Gavino Ledda, Salvatore Mannuzzu e Salvatore Satta. A única exceção digna de nota é o romance do intelectual Michelangelo Pira, Sos sinnos, publicado póstumo em 1983, talvez um dos primeiros romances em língua sarda (se não mesmo o primeiro).

Nos últimos anos fez-se um grande esforço de tradução para o sardo de obras da literatura universal, como, por exemplo, a Ilíada, traduzida por Tonino Rubattu.

Nasceram também muitíssimas coleções de literatura sarda, com autores sardos que escrevem quer em italiano quer em sardo e autores não sardos que escrevem sobre a Sardenha. A literatura sarda, escrita na maior parte dos casos infelizmente ainda em italiano, conta, entre outros, autores como Sergio Atzeni, Giorgio Todde ou Marcello Fois, o qual, à narração em língua italiana une a ambientação na ilha e os diálogos amiúde em sardo ou em italiano regional, com um estilo que conseguiu varar não só os confins da ilha, mas também os da Itália, e é atualmente traduzido em vários países. O sucesso de tais publicações dá esperança —junto com a possibilidade de uma padronização e uma normalização de sa limba— em um futuro possível para o sardo.

 

 

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* Este artigo foi publicado em catalão em 2005 na revista Europa parla I. Llengües romàniques minoritzades d’Europa, in: M.D. Burdeus e J. Verdegal (Eds.), Anuari de l’agrupació borrianenca de cultura, XVI.

A tradução para o português foi feita por Miguel Afonso Linhares (© 2011), professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR), Brasil, e baseia-se na versão italiana de tal artigo (© 2008 Midesa s.r.l.).

[1] Termo cunhado por Berruto (2005: 207): “A ‘dilalia’ diferencia-se fundamentalmente da diglossia porque o código A é usado, ao menos por uma parte da comunidade, também na fala conversacional usual, e porque, mesmo sendo clara a distinção funcional de âmbitos de expectativa de A e de B respectivamente, há empregos e domínios em que são usados, de fato, e é normal usar, tanto uma variedade como a outra, alternativamente ou conjuntamente. É a situação que se pode considerar típica da maior parte da área ítalo-românica”.

[2] “Também os sardos, que não são latinos, mas que parece poderem-se associar aos latinos, rejeitamos, pois parecem os únicos que não dispõem de um vulgar próprio, imitando a gramática como os macacos imitam os homens; de fato, dizem domus nova e dominus meus”.